(...)
Um dia me pediram para contar uma história de terror. Além
de não saber contar histórias, não acontecera nada realmente aterrorizante em
minha vida. Porém não se explica isso a um bando de estagiários embriagados,
eles sabem tudo. A juventude não tem paciência para explicações... Pensei um
pouco e me lembrei de um fato. Não era bem assustador, mas um calafrio cruzou
minha espinha no momento em que a lembrança atingiu meu cérebro. Os jovens me
fitaram sem real interesse e eu comecei a relatar da melhor maneira que pude:
– Havia um sobrado em frente à pensão em que morei durante a
faculdade. Dona Rita e seus ensopados misteriosos poderiam ser um conto de
terror sozinhos. Bastaria uma espiada na cozinha e seu estômago viraria do
avesso. Assim, na esperança de fugir de qualquer alimento ali servido, eu saia
meia hora mais cedo do que a velha Rita acordava e me virava em alguma
lanchonete. Todos os dias, exatamente às sete horas eu olhava para o sobrado
amarelo e via esta menina na janela. Ela tinha um semblante curioso e um tanto
melancólico. Eu acenava, ela correspondia com um sorriso esperançoso. Parecia
que não ganhava essa atenção com muita frequência.”
– Vai me dizer que ela era um fantasma? – disse um dos estagiários
debochando do meu aparente esforço para dar um ar de suspense.
– Não, meu caro. Ela se chamava Lídia. Era filha de um
contador e uma falecida professora. Tinha por volta de uns 18 anos na época.
Mas preciso concordar que seu rosto era fantasmagórico vez ou outra. Parecia
estar gritando em silêncio... Sempre me perguntei o que ela estaria pensando.
Nunca soube. Dona Rita nos proibiu de chegar perto da menina. Eu, como qualquer
outro pobretão estudante daquela pensão, apenas obedecia. Até hoje não sei bem
o por quê de tanto mistério ao redor da moça. Acredito que tenha algo
relacionado com a morte da mãe. E sobre isso, apenas sei que foi um acidente
horrível. Nada mais e nada menos. Pois bem, o que me deixou perturbado foi no
meu último dia de pensionista. Não teria mais aula, entretanto saí às sete da
manhã para finalmente contatá-la e dizer adeus. Ou, talvez, não...
– Ela não estava lá. Estava? – o mesmo estagiário presunçoso
perguntou; dessa vez realmente interessado, assim como os outros, no que eu
estava balbuciando há meia hora.
– Não na janela. Sentada na sarjeta, com o rosto entre as
mãos compridas. Andei na direção dela como se fosse uma criança descobrindo o
mundo dos doces. Toquei no ombro da tal Lídia e senti o gosto do proibido. E eu
apreciei cada segundo. Ela olhou para mim do mesmo jeito que você olha para
alguém que você conheceu sua vida inteira... Como ela era bonita... Seus traços
eram de estátuas gregas: perfeitos. Enfim, ela se levantou e disse adeus.
Simples assim. Adeus. E eu não consegui responder. Como me despediria dela?
Minha incógnita por cinco anos! Então não disse nada. Respondi com o mesmo
sorriso repleto de esperança, o qual ela me deu todas as manhãs.
– Não acredito que você a deixou ir! – os rapazes que me
acompanharam até aquele boteco pela primeira vez queriam uma explicação
completa do que estava ocorrendo.
O ponto de interrogação estava estampado em suas faces. E eu
– como um péssimo contador de histórias, mas um nobre cinquentão – expliquei:
– Bom, meus caros colegas, olhem ao redor... Percebam que é
um bar chamado “Botequim da Li” feito no primeiro andar de um sobrado. Estão
vendo aquela senhorita que parece ter sido esculpida no mármore atrás do
balcão? É ela. A moça da janela. Porém o curioso é que nunca mais trocamos uma
palavra. Venho aqui todas as noites, ela me serve um uísque, eu pago, ela
sorri, eu retribuo e vou embora.
– Vocês são loucos...
– Ou não. Para que estragar nossa relação com condutas previsíveis?
Assim é mais divertido. Lídia tem o mesmo sorriso que antes e eu a mesma
apreciação do proibido. A loucura só é uma invenção dos conformados...
(...)
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