segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Seja.

Deixe a tentativa de ser de lado e apenas seja. O mistério da existência não se limita à vida. Existe-se por toda uma eternidade. Duas, três ou infinitas conforme for preciso. Não procure uma personalidade, crie. Mas não pense. Invente a mais singular criatura na inércia do tempo. Faça desse instante uma obra faraônica.  Sinta cada gota de sangue circular em suas veias revigorando músculo por músculo. Os nervos começarão a voltar paras as entranhas da pele, sinta. A paz formigará atrás da nuca e descerá pela espinha. Ouça o silêncio sussurrando sons de nada. No vazio equilibra-se um mundo pessoal. Não há motivos para se acanhar, abrace a solidão passageira. Companhia na perpetuidade – sim, é ela. A morte será apenas uma parada para reabastecer as energias do espírito. O corpo jaz na Terra e a alma corre para o espaço. Anos luz para apenas ser sem consciência. Saiba o que está sendo no agora. Não existe um fim, mas não se volta para o começo. A realidade é apenas uma lembrança.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Maktub.

Fui escrito num guardanapo usado. Com um número de telefone qualquer esperando para ser discado.
Fui escrito na porta de um banheiro público.
Fui escrito numa carteira escolar envelhecida. Com um compasso me incrustaram entre o desinteresse e o tédio.
Fui escrito em uma nota de dois reais rasgada.
Fui escrito no tronco de uma árvore secular. Com as juras de amor me criaram romântico desembestado.
Fui escrito nas entrelinhas de uma carta.
Fui escrito no rodapé de um caderno. Com a inspiração inesperada me fizeram mistério lírico.
Fui escrito de batom num espelho.
Fui escrito num muro mal pintado. Com a raiva de um povo abandonado pelo seu governo me transformaram num grito.
Fui escrito em uma partitura.
Fui escrito por agulhas na pele queimada de sol. Com a arte me marcaram na eternidade.
Fui escrito e nada me apagará.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

A vida de um infortunado.

Sobreviveu a desventura de nascer.
O estrebucho de desespero que ilustrou sua chegada ao mundo empírico foi a previsão de uma vida vulgar.

Encontrou-se na pureza da infância.
A momentânea salvação da malícia mundana possuía gosto de goiabada com queijo fresco. Lambuzava os beiços naqueles dias de felicidade plena.

Descobriu o infortúnio de crescer.
A cachoeira de responsabilidades grotescas o afogou sem misericórdia. Desfrutou dos sete pecados que regem o povo e acabou numa classe sem privilégios.

Entregou-se, enfim, aos vícios.
A desilusão abrigava um coração partido. Adiava o vazio no peito com a cachaça barata de um botequim hediondo até que o raro salário evaporasse.

Expirou.
Sem prantos esperneados, dívidas ou amores; achou tudo o que mais ansiara. Na morte, teve a sorte de um sonho infindável.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Nota para petit.

O mundo, como sabes, é plena inconstância. E se o amor é o mundo de quem ama, entende quando eu partir.
Explicam-me a maré com a lua, explico-te o bem querer com a mesma. Chega mansinha de noite em noite, cresce a cada toque. É esplendorosa quando cheia, hipnotiza os olhos de quem toca e os faz reféns. Sai devagarzinho como se nada a tivesse cativado, foge da luz do sol rei.
Fujo da luz do teu sorriso, petit. Perco-me quando posso e tu sempre encontras a mim. Mas frequentemente aperta o peito, a saudade, e me salvo em ti.