segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Melindrosa.

Admirava seu reflexo com ar narcisista. Rosto esculpido no pó de arroz, lábios banhados no mais rubro dos batons. Os olhos artificiais escondiam os mistérios de ser mulher. O tabaco consumia os pensamentos, a bebida queimava a garganta.
Já era hora de entrar no palco numa noite como qualquer outra, num botequim como outro qualquer. A moça deixou seu desespero junto da penteadeira empoeirada e se entregou aos holofotes.
Sua voz fazia cantar parecer natural. Para ela... Era. Jogava as notas a esmo junto aos sopros metálicos e à paixão exuberante do jazz. Arrancava as tripas d’alma e esparramava-as aos pés do público soberbo. O saxofone a vestia com a loucura de ser. Seus pulmões clamavam por arte e recebiam humildes uma rajada de ar.
Era musa. Era melindrosa. Era a própria música.
Era o som dos aplausos ao anoitecer.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

O que eu estou pensando?

Bom, as estrelas são bonitas, é verdade. Entretanto nada se compara com o cheiro do café quentinho. Queimei a língua, dona Lua. E essa gente toda olhando meu reflexo prateado? Ouçam os grilos dançando ao vento. Fique quieta televisão, quero ver o mundo. Agudo e arrepiante. Virei mais uma página. O que será? O papel está sangrando. A janela descascando. Vejam, será um cometa? Espero que a manhã tarde. E quando será que ele terá um dia com a noite livre? Para mim, tudo. O bolo tostou. Vazio. Vocês ainda estão me observando? É primavera. Miaram no vizinho. Eu sinto todos. Uma rosa te possui. Já é hora de... Tic, tac. Adeus, quadro natural. Gemeu a escada. O que nesse planeta não canta? Água fresca da fonte desmoralizava meu corpo. Os mesmos degraus da subida desciam. Um impulso elétrico. Luz do sono. E as chaves? Entrelacei-me no lençol egípcio. Os faraós estavam trancafiados. Estou em Roma? Prazer, Cleópatra. Estou no sertão? Asa branca, conte-me como é voar. Ah, é! As estrelas...

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Don Juan.

Ele desvirtuava as moças mais prendadas.
Arrastava-as para o inferno
e as consumia como fogo
consome palha.
Num toque, num ósculo
já eram damas da noite
e no êxtase sem volta
perdiam-se nas chamas ardentes de sua casa.
Queimavam os corpos no seu peito rijo
ao implorarem por clemência.
Porém misericórdia não era de seu feitio
e o olhar estático
as devorava.
Rendiam-se, as mulheres, com almas inermes ao leviano nobre.
A paixão à flor da pele,
o sangue pulsava desnorteado.
Como seria possível amar verme tão repugnante?
Desejavam-no como se deseja pão na miséria
e num instante
ele as fazia se sentirem fartas.
Assim, no ritmo embriagante das castanholas
Don Juan triunfara num jantar de inverno.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

BANG!


BANG!
uma vida tirou
sua existência apagou
o talento escorreu
por sangue abaixo.
BANG!
sucumbiu ao sucesso
sem controlar os excessos
escolheu o regresso
ao mundo onírico.
BANG!
um ventre chocado
com o grito abafado
o vizinho ao lado
todos em prantos.
BANG!
a saudade de outrora
acertou sem demora
e manchou a aurora
com lúgubres lamentos.

domingo, 8 de setembro de 2013

7/9

Separados da metrópole lusitana,
mas extremamente dependentes
da corrupção paulistana.
Quando deixaremos de ser escravos da covardia?
Quando o império de vigaristas declinará?
Meu povo, cadê a valentia?
Tem doutor importado,
tem manifestante mascarado,
mas parece não ter lei no Senado.
Quando vão honrar a pátria amada, a mãe gentil?
Quando as vaias se tornarão aplausos?
O que me diz, Brasil?

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Compostura.

Se me tirarem o amor
fico nua.
Caso tampem o sol
viro lua.
Assim que destruírem minha casa,
refaço-a da rua.
E perambulo pelas entrelinhas
sem qualquer compostura.
Persuadem-me do contrário,
porém protesto a censura,
pois não é com pudor que se faz literatura.