terça-feira, 12 de agosto de 2014

Confissão.

Eu matei o tempo.
Dei-lhe um tiro no peito.
Ele caiu de joelhos à minha frente.
Os olhos esbugalhados me fitaram.
Vi a vida os deixando vagarosamente.
Vi o sangue brotando das entranhas.
Vi o rubor da face desaparecer aos poucos.
Eu estava à deriva do tempo e o matei.
Cada decisão importante da minha vida dependia dele.
Assim como alguns dependem desesperadamente de heroína.
Não existia mais livre arbítrio.
Era espera em demasia.
Sacrifiquei a vida dele em nome da minha.
Então eu comecei a dominar o tempo.
Os segundos se submeteram à minha vontade.
Passavam se eu quisesse, paravam se eu mandasse.
Eu atirei no tempo e não nego.
Deixei seu corpo estirado na Paulista.
Centenas de motoristas chegaram em ponto para o jantar naquela noite.
Ninguém lamentou  pelo corpo perdido.
Naquela época, a morte lhe caiu bem.
Não se tinha mais tempo.
Não se tinha tempo para se ter tempo de sobra.
Eu matei o tempo e me arrependo.
Até doei meu poder sobre as areias de uma ampulheta para o acaso há alguns anos.
Certas coisas só aprendemos com o chegar da velhice.
Não dei tempo para o tempo se ajeitar.
Com pressa de viver, eu matei o tempo
e aprendi cedo as ironias da existência.
Agora, minha água só ferve se eu desvio o olhar
e toda vez que saio de casa sem meu velho guarda-chuva,
chove.

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